quarta-feira, 6 de março de 2013

Bandeira a mais...

Por estes dias, o candidato PS à câmara de Bouças atravessou a ponte e foi a Leça da Palmeira receber apoio num jantar anunciado como organizado por «cidadãos em representação das colectividades e instituições de Leça da Palmeira».

No evento, e para decorar a sala, foram afixadas nas paredes bandeiras de clubes, como a do Leça FC, pormenor bem realçado, por exemplo, na página de Facebook do candidato em causa, e motivador de fortíssimos reparos, já que também os estatutos do Leça FC proibem este género de colagem do emblema.

Por isso mesmo, a Direcção do Leça FC emitiu um comunicado a demarcar-se do acto e a atribuí-lo à responsabilidade de um sócio, eventualmente dirigente do clube, mas já devidamente punido, como se lê na reacção dos órgãos directivos. Mesmo assim, o candidato continua a fazer publicar fotos no Facebook de um evento pretensamente organizado por «cidadãos em representação das colectividades e instituições de Leça da Palmeira».


Como desatar este nó? Simples, a Direcção do Leça não apoia, e não pode apoiar enquanto tal, qualquer candidatura política. Mesmo a do partido com cheiro a rosas e que, chegada a nova eleição autárquica, volta a soltar o odor das convulsões internas...



 

segunda-feira, 4 de março de 2013

O descontentamento do Público

O jornal Público cumpre, esta terça-feira, dia 5 de Março, 23 anos de existência e de referência na Imprensa nacional. Desejo-lhe bons pulmões para soprar a velinha de aniversário. Uma velinha que, infelizmente, me parece ser de... cemitério.


Foi no Público que depositei uma grande atenção à reportagem da manifestação que, no dia 2 de Março, inundou o país e recebeu, até, o olhar de órgãos de comunicação social estrangeiros, mesmo alguns muito distantes de nós, da outra margem do Atlântico, por exemplo, como no sábado podia observar quem pudesse dedicar tempo a uma pesquisa pouco esforçada na internet.
Na edição de domingo, o Público gastou 16 caracteres em manchete a reflectir uma parte importante do que se viu na manifestação nacional: Descontentamento. São os mesmos 16 caracteres que espelham uma parte importante do que sinto após leitura do editorial na página 2, da estafada reportagem das páginas 4 e 6, da análise da página 7, da reportagem das páginas 8 e 9, da reportagem da página 10, do mosaico erudito e análise de José Pacheco Pereira nas páginas 12 e 13 e, por fim, da opinião de Vasco Pulido Valente (que tem direito a ela), tudo isto na edição 8362 deste jornal, histórica pelo esmero com que os textos buscaram a destruição da força e da mensagem do protesto.

Nem quero perder, para já, muito tempo com as científicas conclusões em redor dos números de manifestantes que saíram às ruas – alcançadas com recurso à prodigiosa tecnologia do Google Earth, que nos ajuda a descobrir o pormenor, tão relevante para as nossas vidas, de em cada metro quadrado caberem no máximo quatro pessoas. Vou mais pelo lado de outros lugares comuns nos textos, a apontarem para uma determinação muito discutível de quem protestou, ou à ausência de unanimidade no gritar das palavras de ordem, ambas a seguirem a linha alucinada traçada no editorial e explicativa de um produto, tristemente, muito para lá de distante de um mínimo da excelência com que, anos a fio, se apresentou nas bancas todas as manhãs.
Que nas mentes do clube de pensadores mandantes do jornal, essa poderosa imagem (perdida) do Público lhes conferia uma autoproclamada autoridade para questionar números de manifestantes, já se sabia… Que nessas mesmas mentes se tenha instalado a arrogância de aferir a firmeza com que milhares de pessoas saíram à rua a exigir uma vida com vida, não temos, propriamente, uma novidade gritante, porque o Público, quem sabe se por opção própria ou eventual incapacidade da direcção, repete o papel de, vá lá, vou ser amiguinho, tímido repórter a reflectir o que se passa à sua volta quando há Povo a manifestar-se nas ruas de Portugal.
Não sei se será por acontecimentos deste tipo em Portugal parecerem ao Público menos fancy para usar nas páginas do jornal ou do seu avançadíssimo jornalismo electrónico; não sei se será por acontecimentos deste tipo, na Grécia ou em qualquer outro país em agonia, menos Portugal, parecerem ao Público exemplos do que realmente é vendável e apelativo para os leitores; não sei se para o Público será o quem, o quê, o onde, o quando e o porquê daquilo que realmente interessa aos leitores uma riquíssima entrevista com um doutor Roipnolowhiskey qualquer, que pinta coisas lindíssimas e canta soul gregoriano ao som de balalaica na Universidade dos Corninhos ao Sol de Utah de Baixo...
Sinceramente, o que vejo é um Público fiel à linha do editorial da edição deste domingo: um deslumbramento. Neste caso, com doutrina situacionista e que nos vem aconselhar a todos para, em vez de andarmos para aí a constituir números mais ou menos vistosos nas ruas, cada um de nós olhar «num raio de 50 metros à volta da sua própria casa» e medir, assim, mais eficazmente, o que já mudou com a crise. Essa sim, para o clube de pensadores do Público, é a forma útil de sabermos como vai o mundo e nos descontentarmos, sem necessidade de sermos milhares ou milhões nas ruas a fazer barulho.
Tenta fazer crer o Público que foi mais ou menos (mais, digo eu) isto que aconteceu: juntaram-se umas pessoas que decidiram repetir uma manifestação bem conseguida em Setembro de 2012, e a ideia destas pessoas era reunir o maior número possível de outras pessoas nas ruas, com a intenção de anunciar que, desta vez é que foi, assistiu-se à maior manifestação de sempre em Portugal.

Como se quem saiu à rua, o fizesse motivado para estabelecer uma nova marca no Guiness Book, ou novo recorde olímpico, projectando, para animar um bocadinho, mas sem entusiasmo, umas palavrinhas de descontentamento contra as políticas seguidas pelo governo e as determinações impostas pela troika, recorrendo ainda a uns cartazes engraçados para colorir um bocado a coisa. Faltou ao Público dizer que o movimento Que se Lixe a Troika ocultou parte do seu próprio nome: Que se Lixe a Troika, a malta gosta é de fazer número.
A questão dos números, da medição de pessoas presentes na rua num dia em que o país (e o estrangeiro) viu, de novo, o povo a lutar, é recorrente. Nunca ninguém avança com uma certeza científica sobre esse pormenor. Nunca? Não… Uma pequena parte da Imprensa portuguesa descobriu a poção mágica que tudo esclarece: o Google Earth, que combinado com sábios conhecimentos matemáticos e filosóficos permite chegar à grande e indiscutível verdade. A verdade do clube de pensadores do Público.

No editorial deste domingo, conclui-se: «Quando deixamos a métrica geográfica e pensamos no círculo de familiares, amigos e conhecidos, já poucos serão os portugueses – se algum – que não conhecem alguém próximo que não tem trabalho. A crise, que começou por ser um problema de alguns, é hoje a realidade de todos». Eis uma grande verdade apresentada pelo clube de pensadores do jornal. A crise é de todos, minha, nossa, vossa, também de quem foi despedido do Público e de quem, por consequência daquela, vá lá, zanga com Miguel Relvas, saiu do jornal.
É também a crise dos milhares que, unanimemente, e no Porto, onde estive a manifestar-me, gritaram pela demissão deste governo. E que na Guarda, na Covilhã, em Braga, em Coimbra, em Faro, no Funchal, por 40 cidades deste país e do mundo fizeram o mesmo, ainda que a edição deste domingo do Público praticamente não tenha observado a dimensão do protesto além das fronteiras de... Lisboa. O resto, fora da capital, foi paisagem, e paisagem, sobretudo a portuguesa, tem de ser suficientemente esotérica para a elite do clube de pensadores do jornal lhe dedicar antena e visibilidade.

Um jornal que, em editorial, afirma que «não é preciso matemática para medir a insatisfação de Portugal», deu-se ao trabalho de buscar científicas conclusões sobre o número de manifestantes saídos às ruas, suportado nas lentes de alta precisão do Google, dispensáveis, no entanto, para lermos a verdadeira mensagem do Público: estejam lá quietos que já sabemos o quanto a malta está lixada, não é preciso virem para a rua gritar. É o traço situacionista na corrente de escrita mandante do Público, aos 23 de idade, a comportar-se como um jotinha com necessidades de agradar.

«Empolar só prejudica a imagem», oferece o conselho cosmético o editorial de um Público preocupado em desviar a questão para o número dos manifestantes, raspando, muito levemente, no fundamental: o povo está no cadafalso. E é inacreditável como um jornal se coloca neste papel de censor, quando devia gritar, diariamente, pela liberdade de expressão – que não se esgota, com certeza, na opinião de Vasco Pulido Valente, ou de senhores doutores a quem fica bem ouvir para encher chouriços.

O que aconteceu, independentemente do número de pessoas nas ruas, foram muitas gargantas enrouquecerem ainda mais por culpa do desespero a que estamos condenados. Mas isso, do desespero, já se sabia, diz-nos o Público, descontente com o barulho que a malta andou para aí a fazer e a agarrar-se àquilo dos números numa miserável tentativa de distrair, de desviar a atenção da única questão que levou as pessoas outra vez à rua: o divórcio com as políticas da alternância e os agiotas da troika.

Ao Público, um bricalhão com o desespero das pessoas, desejo agora bons pulmões para soprar a velinha de aniversário. Uma velinha que, infelizmente, me parece ser de... cemitério.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O interior de Duarte


Foi mesmo sem querer, acreditem, a minha passagem pela página do Facebook de Duarte Marques, jotinha ésse dê com assento no Parlamento. O rapaz lá tem as ideias dele, e no espaço dele publica, naturalmente, o que lhe apetece, mas não contive a vontade de partilhar este apontamento.

Sugere o rapaz que é de bom gosto viver no interior, «onde o ar é melhor, não há trânsito, as casas são mais baratas, boa comida e gente capaz para trabalhar com dedicação», e incentiva, é claro, a ideia patrocinada pelo governo de projectos de localizados nas regiões de «bom gosto».

«Aproveitem», entusiasma-se Duarte Marques, tão identificado com o interior do país que omitiu o que ele, com certeza, também sabe. No interior, não há escolas, hospitais, centros de saúde e muitos outros serviços públicos perto das pessoas como no litoral/grandes centros urbanos. A qualidade de vida é tão boa, mas tão boa que a juventude do interior migra, ou emigra - é mais esta opção, colocando a sua capacidade para «trabalhar com dedicação» ao serviço de exploradores de outros países, porque os deste país já não lhes garantem sequer essa miserável condição de explorados.

Depois, o que é isso de «gente capaz para trabalhar com dedicação»? Dedicação a quê ou a quem? Que modo tão sobranceiro é esse de observar a população onde há «gente» apresentada como criadagem disposta a fazer o que manda o senhor patrão, esfolando a pele de sol a sol pelo senhor patrão? E porquê do interior? Porque no interior há braços para trabalhar sem questionar? Porque no interior, nas "províncias", a habilidade das pessoas foi toda para as mãos e não colocam os problemas que a «gente» do litoral é capaz de colocar? No interior, as pessoas são mais obedientes do que no litoral?

E que sugestão é essa às pessoas para terem o bom gosto de se mudarem para o interior, sob o pretexto de uma vida menos austera, quando as pessoas, tanto no litoral como no interior, já não têm dinheiro para o pão, quanto mais para transferirem o seu quotidiano?